Na imensidão da floresta amazônica, onde a biodiversidade pulsa em cada canto, um novo projeto desponta como exemplo de união entre saberes tradicionais e científicos. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em colaboração com comunidades indígenas do Alto Rio Negro, lançou o guia “Espécies de Aves da Região do Rio Cubate – Terra Indígena do Alto Rio Negro”. Este livro, escrito em Nheengatu, Baniwa e Português, explora a avifauna local ao mesmo tempo em que é um manifesto pela preservação cultural e ambiental.
Localizado no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), o Rio Cubate é berço de uma rica diversidade de pássaros e de histórias transmitidas de geração em geração pelos povos indígenas da região. Ao documentar 310 espécies de aves com seus respectivos nomes, hábitos e histórias, o livro reflete um esforço conjunto de valorização da cultura indígena e conservação ambiental.
Um Livro que Une Conhecimento Científico e Tradição Indígena
O guia é fruto de uma parceria que reúne pesquisadores não indígenas e representantes das comunidades locais. A proposta inicial veio da comunidade de Nazaré do Rio Cubate, que expressou a necessidade de registrar os conhecimentos sobre as aves da região em suas próprias línguas e no idioma nacional.
As línguas Nheengatu e Baniwa, amplamente faladas pelas comunidades locais, ganharam destaque no livro, reforçando sua importância cultural. Ao lado do Português, essas línguas preservam a riqueza de uma tradição oral que por vezes é ameaçada pelo tempo e pelas transformações sociais. Segundo Camila Ribas, coordenadora do projeto, a obra não apenas registra a biodiversidade, mas também estimula a continuidade do conhecimento indígena para as próximas gerações.
Processo de Produção Colaborativo
O desenvolvimento do livro foi profundamente colaborativo, envolvendo desde a escolha das espécies a serem registradas até as traduções realizadas por moradores da região. Oficinas de campo e sessões de planejamento integraram pesquisadores e comunitários em um esforço conjunto para garantir que cada detalhe fosse fiel à realidade local.
A professora Gracilene Florentino Bittencourt, moradora de Nazaré do Rio Cubate, destacou como o projeto aprofundou seu conhecimento tanto sobre as aves quanto sobre a língua dos povos locais. Usando o aplicativo Linklado, desenvolvido para promover línguas indígenas, ela liderou a tradução do conteúdo para a língua Nheengatu usada na região..
As oficinas também funcionaram como espaços de troca de saberes. Cientistas explicavam os métodos de catalogação e os comunitários compartilhavam as histórias e significados dos cantos e comportamentos das aves. Essa interação resultou em um material rico e multifacetado, que reflete a diversidade tanto da fauna quanto da cultura local.
Destaques do Livro
O guia apresenta um universo encantador da avifauna local. Cada espécie registrada no livro está acompanhada de informações sobre sua alimentação, habitat e histórias contadas pelos indígenas. Exemplos marcantes incluem o Galo-da-Serra (Rupicola rupicola), conhecido em Nheengatu como Galu iwitera pura, e o Sete-cores-da-amazônia (Tangara chilensis), chamado de Fitiáka em Nheengatu e Hiitsa em Baniwa.
Além das descrições técnicas, o livro reúne curiosidades e mitos sobre as aves. Essas narrativas revelam a relação profunda entre os moradores e a biodiversidade que os cerca, mostrando que cada canto de pássaro carrega significados culturais únicos.
Educação e Conservação em Foco
Uma das grandes conquistas do projeto foi a integração do guia ao cotidiano das escolas locais. Estudantes do 6º ao 9º ano agora têm acesso a um material educativo que conecta diretamente sua vivência com o aprendizado. Para muitos jovens, o livro representa uma nova maneira de enxergar a floresta ao seu redor e de se orgulhar de sua herança cultural.
Além disso, o guia abre portas para iniciativas como o turismo sustentável. A prática de birdwatching, que atrai entusiastas de todo o mundo, pode se tornar uma nova oportunidade econômica para a região. Os organizadores do livro destacaram que a valorização das aves locais também ajuda a preservar seus habitats, promovendo um ciclo positivo de conservação.
Impactos do Projeto na Comunidade e na Ciência
O impacto do livro transcende as páginas impressas. Para a comunidade indígena de Nazaré do Rio Cubate, o projeto significou o fortalecimento de sua identidade cultural. A valorização de suas línguas e saberes resgata uma conexão com os antepassados e inspira as novas gerações a manter viva essa herança.
Do ponto de vista científico, a obra demonstra o poder das parcerias interculturais na ampliação do conhecimento sobre a biodiversidade. Trabalhar lado a lado com os moradores permitiu aos pesquisadores do INPA acessar detalhes sobre as espécies que não seriam possíveis de outra forma. A sinergia entre saberes populares e acadêmicos reforça a relevância de iniciativas colaborativas na Amazônia e além.
O lançamento do livro “Espécies de Aves da Região do Rio Cubate” mostra como ciência e tradição podem caminhar juntas pela conservação ambiental e cultural. Em um mundo onde as línguas e culturas indígenas enfrentam desafios crescentes, iniciativas como essa indicam que o futuro da conservação está intimamente ligado à valorização dos povos locais.
A obra não apenas celebra a biodiversidade, mas também inspira outras regiões a adotarem modelos semelhantes de colaboração. Com a Amazônia enfrentando ameaças crescentes, projetos como este são fundamentais para garantir que sua riqueza natural e cultural seja protegida para as futuras gerações.
Iniciativas como o guia de aves do Rio Cubate merecem reconhecimento e apoio. Ao apoiar projetos como este, estamos contribuindo para um mundo onde a ciência e a tradição se complementam, garantindo a preservação do nosso patrimônio natural e cultural.